Este é um escrito sobre arquivos, mas também é um escrito sobre começos. Dentro de um arquivo de milhares de fotografias de jardins, este foi o primeiro jardim que fotografei. Há vezes, como essa, em que as coleções de imagens começam tão silenciosas quanto uma caminhada.
[…] O jardim estava deserto e nu. Mas… como dizer? Não tinha seu aspecto habitual, sorria para mim. Fiquei um momento apoiado na grade e depois, bruscamente, compreendi que era domingo. Isso se via nas árvores, na relva, como um leve sorriso. […] Chegando ao portão de ferro, voltei-me. Então o jardim sorriu para mim. Apoiei-me na grade e fitei-o longamente. O sorriso das árvores, na moita de loureiros, queria dizer alguma coisa; era isso o verdadeiro segredo da existência. Lembrei-me que num domingo, não há mais de três semanas, eu já percebera um certo ar de cumplicidade nas coisas. Era a mim que se dirigia? – Jean-Paul Sartre, A Náusea (1938)
Enquanto caminhava desde casa até a terapia, passei uma vez por semana em frente a este lugar durante muito tempo, mas foi em um dia distinto que o reparei pela primeira vez. O desejo por aquela imagem crescia com o passar das semanas e, já naquele tempo, era um jardim que encontrava sempre. Muito devagar, fui percebendo todas as coisas dele. Aprendi o nome das folhagens e das flores, vi chegar uma segunda estátua, descobri que era de um pensionato para mulheres, conheci a capela ao lado, as freiras passando vez ou outra. Não por acaso, descobri também que ali já tinha sido o lugar de uma escola, e talvez pra mim ainda seja uma. A valiosa lição de arquivo que tive fotografando este e centenas de outros jardins era a de olhar para dentro para buscar o que está fora, e eis aqui um começo. Havia um tempo em que este era um jardim que eu sempre encontrava, hoje é um jardim que sempre vou encontrar. E a coleção de fotografias ensina, junto do tempo, a seguir perseguindo o desejo e a promessa das imagens, amalgamando memória e matéria nos arquivos.
Esta é uma primeira escrita de um arquivo feito de arquivos, o primeiro jardim de um jardim infinito, e a natureza desta escrita não é estática, dificilmente entra em concordância com tempos verbais ou o ritmo das palavras, mas carrega uma distinta harmonia com o tempo das imagens.
Para esta escrita de imagens que constitui os nossos arquivos, nada mais apropriado do que inaugurar com fotografias do quintal da casa onde a Planta ficava antes de deixar a condição de espaço físico para se tornar um lugar fora do espaço. É o primeiro jardim da Planta, uma montagem rompante de plantas que nunca conseguimos controlar. Que as experiências e os afetos que este jardim de fundos nos trouxe com o tempo fiquem conosco e nunca se percam, mas sim que se encontrem nos nossos arquivos e jardins futuros.